terça-feira, 8 de janeiro de 2013

um poema sem um nome adequado

É duro escrever
quando antes
de tudo se precisa
sentar
na cadeira
do autoempalamento
voluntário

não que eu não sinta
dor-amor-medo
desejo-saudade
não
necessariamente
nessa ordem
sinto algo

entre essas e
outras coisas
sinto muito
e tantas são
as vezes que
já não conto
a mais ninguém

sinto também
um carinho todo
especial por meus buracos
mais íntimos.
e é por conta disso
que permaneço em pé
imóvel e inexpressiva

a juntar poeira na soleira da porta

até que, enfim, só
um cansaço me toma
inteira, um cansaço
enorme de ser e sentir e
principalmente
de ter que encontrar
nomes adequados a poemas

um cansaço que cresce até
que eu não mais aguente o peso
que é sustentar a mim mesma
cheia das coisas do lado de fora
e das de dentro. e mais
toda a poeira
que nunca, nunca baixa

um cansaço tamanho
que torna mais e mais
convidativa
aquela cadeira
esquecida
na metáfora inicial
e eis que me sento.

sento e sinto toda a dor do mundo

concentrada
em minhas próprias partes
sento
pra refrescar a memória
e confirmar a certeza
do quanto é duro, é tão duro
deus do céu, é muito duro

[ter do que] escrever é fatal - e ponto.


Ju Blasina
P+2T: jublasina.blogspot.com.br

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

De quando estive com o pai.

Pai, 
olhai por aqueles 
[que habitam um universo
sem nada
a admirar.
Tende piedade do choroso
[que vive
não só
de lágrimas.

Mas tende piedade,
ademais,
do homem poeta:
frágil,
esquizofrênico,
de óculos quadrado,
que transita pelos próprios lares
repetindo à poesia:
não creio,
não é possível,
diga a todos que é totalmente impossível deixá-la.


Gabriel Borges

domingo, 23 de dezembro de 2012

eu durmo comigo



eu durmo comigo
de bruços deitada eu durmo comigo
virada pra direita eu durmo comigo
eu durmo comigo abraçada comigo
não há noite tão longa em que não durma comigo
como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo
eu durmo comigo debaixo da noite estrelada
eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário
eu durmo comigo às vezes de óculos
e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo
e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado.

Angélica Freitas é pelotense, autora dos livros: Rilke Shake (2007),  Um útero é do tamanho de um punho (2012) e Guadalupe, em parceria com Odyr Bernardi. (2012).

[postado por Ediane Oliveira]

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

a escolha de cecília

nenhuma vontade lhe parecia válida
ou suficiente
gastava no uso repetido os dias velhos
e se desgastava neles
desgostava deles a ausência de serventia
a tal ponto sem vontade
sem pressa e sem demora
cecília esvaziava-se de si
de sua lucidez cansada

correram alguns a dizer que morreu por escolha
embalada ao ânimo que lhe faltava em vida.



Denise Freitas, nasceu em Rio Grande (RS) no dia 10 de dezembro de 1980. É professora de História, no ano de 2007 publicou o livro "Misturando Memórias: contos e crônicas de Itajaí", em parceria com Leandro dos Santos. Blog www.sisifosemperdas.blogspot.com

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ainda penso nela


é claro que sinto saudade
quando estou no canto esquerdo daquela janela.
não raro me vejo à espera
de reviver um romance da minha mocidade.

de um lado, ela vinha
[sozinha,
com seu aspecto hábil, primitivo no feminino.
de outro, estávamos
[juntos,
com nosso instinto, idiossincrasia conjugal.

é saudade, claro que é!
"a mulher não nasce mulher, torna-se mulher"
quantas vezes me falou isso ao pé do ouvido.

fomos felizes.
creio que, por ela, ainda sou feliz.

e, por isso, que
[naquela janela,
está a saudade de uma antiga namorada:
Simone de Beauvoir.

Gabriel Borges

o tempo não a tirou de mim.