quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Por certo

Gostaria de saber
Quem instituiu o certo e o errado
Pois insistir no “erro”
É minha especialidade
Gostaria de entender também
A motivação dos que apontam
Com o dedo em riste
Os momentos falhos que consistem
Na construção de uma personalidade
Pois a minha vontade
É de chutar o balde
E repudiar essa fraude
Que é a sociedade capitalista

E se houver amor de verdade
Nos encontros e desencontros que virão
Eu não sei se já estarei pronto 
Pois não considero errado o certo
Mas em vão.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

entre sonhos e outros doces


"Enquanto dormia
contigo
sonhei
duas vezes
esta noite"
disse ele
ao servir
uma xícara de café
para ela
pouco 
importava 
o que continha
cada um deles
desde que seguissem
juntos 
mesmo
de olhos fechados
ficou
maravilhada 
por ainda estar viva
dentro dos olhos
daquele homem

que a fazia acordar
antes mesmo
do sono acabar
aquele homem
que agora lhe servia 
tão bem
o café 
da manhã
do eterno 
dia seguinte
"um foi bom
e o outro
não" disse ele
falando dos sonhos
da noite passada

"conta o bom
primeiro" sugeriu
a sonhada ao sonhador
mas ele não podia
nem se quisesse
pois não
lembrava mais
de qualquer um deles
só sabia que acordara
uma vez
chorando
num susto
e que com custo 
e com sorte
pode seguir
dormindo o suficiente
para ter outro sonho
com ela

e ela não pareceu
nem um pouco
desapontada
ao ouvir essas coisas
bem cedo de manhã
e embora não gostasse
de ficar só
assistindo 
enquanto ele fazia tudo 
aquilo
até a fez sorrir
ainda mais
enquanto ele passava
com uma faca
para cá e para lá
um punhado
de geleia com manteiga
sobre um mesmo pão.

Ju Blasina
P+2T: jublasina.blogspot.com.br

segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Por trás das máscaras
do medo, do sonho,
do inverossímil
nos escondemos
humanos.

Pro trás das amarras
do real, do desafeto,
do incomunicável
resplandecemos
solitários.

Por trás das ilusões
da enfermidade, do credo,
do inabalável
nos salvaremos
em vão.

Valder Valeirão

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Esses são dias desleais



Tinha os olhos secos,
assim no passado,
o passado assim,
meio seco e presente,
os sonhos também,
meio passados,
embrulhados pro presente,
e o que virá, virou feito barco em tempestade,
o que fazer preso no presente?
secá-lo também,
pra ver se passa,

Rafaelle Ross é pelotense e produtora do Programa Navegando RádioCom.
www.rossrafaelle.blogspot.com.br

[postado por Ediane Oliveira]

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

As chaves


Se dissesse Deus
a palavra reta
como uma seta
a apontar saídas
a semear um sentido
para as nossas vidas...
se soprasse Deus
a palavra exata
a palavra nua
fosse como a lua
a cerzir rastros de prata
em plena noite escura...
ah! se pronunciasse Deus
a palavra essa
– essencial peça
a encaixar-se
no quebra-cabeça
do mundo –
suspiraríamos fundo
um suspiro de alívio
um suspiro de orvalho...
se tirasse Deus
esse ás da manga
de seu manto
quem sabe o encanto
que derramaria
do singelo gesto?
Se distribuísse Deus
                                                                     
um manifesto
que palavras conteria
que princípios de poesia
choveriam sobre nós?
Ah! se soltasse Deus
a sua voz
que lições encerraria
em seu discurso?
Traria alguma vida
e esperança
às cidades tensas
às aldeias tortas...

Traria as chaves
da felicidade.

Abriria as portas?


Álvaro Barcellos é natural de Pelotas/ RS, 1961. É poeta e letrista.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os sonhos

No abrigo do medo
cabe nem um segredo meu
Nenhum sonho pode ser maior
do que eu

No impensável fenecer deste corpo
frutificam desmesuras de pura morte
Da sede de formas de que a morte se queixa
a gente atreve os desaforos de estar vivo

Foge de mim o fim
De medo do que posso ser,
dos milhões de feições que posso ter
quando um querer me desafia a sorte de não chegar

E por querer o fim, o fundo, o farto
a gota d'água,
só o que me faltava,
aceito o dom de ser menor.

Marília Kosby


[postado por Daniel Moreira]

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Eu costumava saber

Eu sei
você lê este poema
querendo encontrar algo
que o eleve ou
uma nova expressão da língua
e fica
extremamente
decepcionado.
Eu sei
como é difícil pra você
acostumado a ler
o cânone da academia
os formalistas
os parnasianos
os suicidas
perder um tempo
lendo os meus versos
desconexos
sem rima ou
profundidade
sem métrica ou
vaidade
mas é uma pena
que você não encontre
nos meus poemas
o que encontrei
em outros poemas:
A verdade.
Eu sei
o quão difícil é pra você
ler "foder"
no lugar de "fazer amor"
e "cachaça"
no lugar de "champagne"
mas não me culpe
culpe a sua
perspectiva
burguesa.
Eu sei
que é difícil pra você
deixar de de crer
que os medalhões falam a verdade
e que sua graduação em Letras
seu mestrado em História da Literatura
seu doutorado em Literatura Portuguesa
são apenas troféus empoeirados
na estante da humanidade.
Eu sei
que você vai chegar lá
quando deixar de "evacuar"
e passar a "cagar"
como uma pessoa normal
e que em breve
muito em breve
você terá bons motivos
para escrever fora dos padrões
impostos por mestres jurássicos
com rabos besuntados
por talco
Alma de Flores.
Quando você chegar lá
me liga
mas por enquanto
divirta-se
com suas antologias
enquanto economizo
para editar
meu primeiro livro
de poesia.


Rody Cáceres
blogdorodycaceres.blogspot.com.br
Vendedor de livros, acadêmico de Letras, escritor nas horas vagas e músico acidental. Autor de "Para onde foram os heróis" [e-book e papel] - estará entre os poetas do 13º Poesia no Bar, no próximo domingo (28), em Rio Grande.

[Postado por Ju Blasina]

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

horas inteiras

o movimento dos ponteiros de segundos
perduram entre os sorrisos falsos
sobre o piano calado
todos datam a eternidade

quem dera a velocidade dos carros

desse o compasso do tempo
preso nas celas por cordas
de minha goela seca

não há amor na revolução

há apenas retratos mudos
desbotados pela distância
e por lembranças deturpadas

quem dera essas balas do tambor

de meu revolver fossem palavras
e estourassem o vazio do tic-tac
que trago em minha cabeça 


 Larissa Marques

[postado por valder]

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

oração


sossego:

me cegue
do seco
me sane
em cima
do sol
me sirva
sua
sombra
me sare
somente
do mal.

alento:

alimenta
leva
além
lava

minhas
lamas
limpa

até a chama

ainda acesa
atenta
inflama
e clama
aqui dentro.

Ediane Oliveira
www.diidiss.blogspot.com

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

E fez-se poesia

O Caminho é tido como tortuoso.
A primavera arde em febre
[talvez pelo calor por debaixo da barba.

É entrincheirado que estou
defendendo meus desejos não tão íntimos,
mas de vanguarda para um eu lírico popular.

Este foi o desejo da criação:
manter-me firme,
de arma em punho,
e buscar a sensação ideal.

Assume-se o destino.
Cruza-se o delírio da febre.
Faz-se poesia e
só.





Gabriel Borges

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Entardecer

A beleza te fez natureza
E o entardecer
Sorriu estrelas
Ao te ver

Propagas em canções fotografadas
Tua certeza quase vaga
De viver talvez
Uma vez por dia

És um mundo
Que existe além dos segundos
Paralelo ao tempo absurdo
Que orienta as horas vazias de ti.


Daniel Moreira
www.danielmoreira.art.br

terça-feira, 16 de outubro de 2012

de tudo ainda não dito (sobre o feito)

No dia
adia
a noite
esfria

na cama cheia

há gente vazia

só o silêncio lhes faz

companhia

[e enquanto mudo

tudo permanece
vivo no breu
do dito pelo 'quem diria']


Ju Blasina
[P+2T] jublasina.blogspot.com.br

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

a realidade
é um baque intenso
no que me prende
no que me amarro
é o ponto cego da loucura
e mais
a névoa obscura
dos sentidos

a realidade


me enlouquece
aos poucos
e sonhos
são preces
para loucos

a realidade

aturdida e inócua
com suas verdades
e seus olhos de real
já não pode mais
sonhar

a realidade

incomensurável
que me afeta
não cabe no poema

valder valeirão

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A voz do velho bardo

Alegre Juventude, vem cá,
E contempla o amanhecer,
Imagem da verdade recém-criada,
Dissiparam-se as dúvidas e as névoas da razão,
As árduas disputas e os terríveis tormentos.
A insensatez é um interminável labirinto,
De emaranhadas raízes que embaraçam os caminhos.
Quantos ali já tombaram!
Eles tropeçam todas as noites nos ossos dos mortos,
E sabem que ignoram a tudo a não ser o medo,
E querem guiar, quando na verdade deveriam ser guiados.

William Blake

[postado por Daniel Moreira]

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que
eu sei.
Meu fado é de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

Manoel de Barros


[Postado por Ju Blasina] 

domingo, 7 de outubro de 2012

Canção da torre mais alta



Juventude presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.
Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.

Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro.
Augusto retiro.

Tamanha paciência
Não irei esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.

Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.

Arthur Rimbaud


[postado por valder]

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Poema da morte

Aos surdos que gritam, calai
Convertam seus ouvidos
Em silêncio de seus berros
que masturbam
seus medíocres corações.
Aos homens que correm, olhai
Os pássaros, o chão, velhos e crianças
e as árvores que crescem em jardins secos.
Aos santos que julgam, amai
As suadas mãos, as sandálias rasgadas
as cores dos homens e o chão,
pisado por doentes.
Aos loucos que choram, chorai
os torturados, oprimidos e enganados
de um solo selvagem
com covardes e valentes
De fogos apagados e chamas em sebo
Num mundo louco, vazio e demente.

Aos vivos que morrem, louvai
A morte da vida
e a vida da morte.

Louvai um culto de falência eterna
Louvai a morte, vivos, louvai!

Dá-nos a morte que nos livra da vida, Pai.

Pai nosso, que estás no céu,
santificada seja a nossa morte
Tira-nos a vida que nos mata vivos
Seja feito o pão da morte a cada dia.

Não nos deixa vivos, Pai.
Nós matamos uns aos outros.
E não morremos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Poema Castellano

era una nube
[intenso
que se había formado.

melancólico y reflexivo,
Ari fue.

esta no es intuición sólo,
pero un elemento
[que surge de la comprensión:

el tren llegó a la estación final.



Gabriel Borges

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Olhos de distância

Enquanto a saudade
Arrumar um jeito
De me trazer teu rosto
Teu cheiro e teu gosto
Estarão comigo ao amanhecer

As fotos não sabem dos fatos
E sorriem por serem simulacros
De uma realidade
Que não canso de reinventar

Enquanto a ausência
Encher meus olhos de distância
Teu sorriso de extrema relevância
Tomará várias formas
Até a lua crescente
Finalmente nos encontrar.



*Do livro [Re]versos, pág. 60, edição do autor, 2012.

Daniel Moreira
www.danielmoreira.art.br 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Algo sobre ler lindezas

Quando se lê
algo
de alguém
que se gosta
muito
antes do escrito
os olhos brilham
e deles
para o resto
do corpo corre
um onda
feito lágrima
de sentires sem dizeres
uma coisa só
provocada ao se ler lindezas
e com ela
vem a certeza
de que
aquilo é mesmo tão lindo
como tudo
já devorado
naquela mesma fonte
e como aquilo
o que virá
logo depois
mesmo que desse
não se possa ter
lido linha qualquer
ou por não serem quaisquer
as linhas
ou por nem sequer terem sido
escritas
ainda
assim
são todas elas
lindas!


Ju Blasina 
[P+2T] jublasina.blogspot.com.br

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Palavra

Para mim restou a palavra
truncada, inaudita, imprecisa...
e o silêncio de um calar
insensato que se faz por dor
ou cansaço de falar

palavra que nada pode

contra um sem fim
de ouvidos desatentos
em diálogos de pedra
semeando escuridão

palavra que se contorce

quase sem força
quase sem ar
no descompasso
cardíaco do existir

palavra sem a pretensa razão

balbuciada como reza
bálsamo inefável
aurora mágica
de um plano inexplicável

para mim restou a palavra

translúcida,
insípida,
imprecisa...
e o silêncio
de um vazio que não cala

[postado por valder valeirão]